sábado, 11 de junho de 2011

Alzheimer



(Arte: Jean F Souza )

Queria ter uma ampulheta mágica,
Que me trouxesse de volta:
Toda unha que cortei,
Todos os amigos que perdi,
Toda saudade que eu curei.
Quem me dera se não tivesse passado,
Cada dor que eu já senti,
Todo amor que eu entreguei,
Cada lágrima que eu verti,
Toda desilusão que eu já passei.
Lembrar dos nomes das pessoas,
Dos figurantes do meu filme,
De cada minúscula coisa,
Que já me aconteceu.

Queria lembrar dos momentos importantes,
Até dos mais infames, traumas e frustrações.
Queria o regresso das minhas fobias,
Reviver cada hora dos meus dias,
Reler meus planos e anotações,
Ainda que não me levassem a nada,
Todas as vozes das minhas fitas de volta,
Todas as imagens refletidas em espelhos,
Retomar posse de cada célula morta
Que a minha pele expeliu
Todos os discos da moda,
Ainda que meu som não toque mais vinil,
Cada chacota que eu ouvia na escola,
Toda roupa que me vestiu.

Já que são minhas, quero de novo,
Cada gota de suor que já me esvaiu,
E que estejam nos meus pés, cada pegada que larguei,
Toda digital que espalhei,
E até as marcas que eu evitei deixar.
Desamores e traições, lhes exijo posse,
Ainda que meu peito não suporte,
Cada paixão que me feriu
E cada garota que eu não pude amar,
Uma ampulheta mágica que me lembrasse,
E quebrasse o silêncio que me dói,
Das tramas e vertigens, da sensação de morte que me habita,
Queria poder contar a história da minha vida.
E como tão linda era, ou penso que foi.


Os metros de cabelos, que insistia em cortar,
Poderiam me dizer se eles foram sempre brancos.
Não queria mudar tanto,
Abrindo mão de coisas pelo caminho.
Se cada olhar de ternura ficasse comigo,
Não me sentiria sozinho.
Como um garoto catando conchas no mar,
Queria colecionar os motivos que me faziam rir,
Teria um mapa com os caminhos que escolhi
E estes que me escolheram.
Guardaria um frasco de perfume raro
Com todas as rosas que os meus jardins proveram,
Possuiria uma caixa com todo o dinheiro
Que sujaram as minhas mãos.

Queria uma ampulheta de condão,
Que me tornasse um ser absoluto,
De cicatrizes que ainda jorrem sangue
P'reu saber se meus cortes são profundos.
Recordar cada cidade que visitei
E até das que nunca tinha visto antes,
Que cada rio que eu banhei
Continuasse a enrugar minha pele.
Ainda que a minha inquietude não cesse,
Teria enclausurado meus amigos em porões
Só pra nunca esquecer seus rostos,
Saber se amei como se deve,
Se provei todos os gostos,
Se me valeram as orações.

Será que fui feliz, correto, propagador da paz?
Queria a lembrança dos meus filhos e netos,
Em troca desses estranhos que me chamam de pai.
Teria sido afável e honesto?
Ou me deixei corromper?
Se eu tivesse uma ampulheta sem areia,
Que prendesse o tempo,
Forjaria todo o meu destino.
Visitaria a glória de uma vida ao acaso,
Em que nada teria fim.
Se eu fosse pleno,
Não perderia a minha vida assim,
Não precisaria tanto da memória
E ninguém me roubaria de mim.

7 comentários:

  1. Jean, como vai!
    Coisa fina o que encontrei aqui. Parabéns.
    Tua escrita e teus desenhos são aviltantes, deixam muitos no chinelo.
    Estamos juntos!

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  2. Com certeza, obrigado pelo elogio, *precisei consultar no dicionário,rsrs.
    Vlw, seja bem vindo, sempre.

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  3. è com quando lemos um poema e nos entregamos a essa tão adoravel leitura, gostei muito de seus poemas, mas o que mais gostei foi de seus desenhos, vc tem talento mocinho... bjs boa noite...

    PS: seja bem vindo ao meu blog...

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  4. Oi,amiguinho(achei legal seu blog),visite/siga o Blog do XANDRO(meu blog)vc vai gostar!;)
    http://blogdoxandro.blogspot.com/

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  5. Bela poesia, Jean. Escreve com um ritmo gostoso de se ler.
    Acho muito triste e você soube expressar essa nostalgia do Alzheimer muito bem; fora o desenho que está muito bom também, bela sacada!

    Abração!

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  6. Valeu Felipe muito importante essa sua visita, sabe que eu tô sempre lá no válvula tbm!

    Obrigado pela visita Xandro e Elaine!

    Abraço!

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