sexta-feira, 16 de abril de 2010

Último Alvorecer

"Quando o alaranjado nascer do Sol do último alvorecer pintar o horizonte quero estar ao seu lado".

 - Lembra-se de quando-lhe disse isso?
 - Lembro não tinha levado tão à sério assim?
 - É nem eu...

  Abraçávamo-nos, nervosos e ansiosos mas tentando esconder cada sentimento de dúvida e medo, eram nossas as vozes que cantavam, no alto da casa, aquele rock calmo. Esperávamos o amanhecer, que enfim surgia, mais vermelho que laranja.

Os carros de pamonha, na tarde anterior, anunciavam junto como rádio, tevês e revistas: o Armagedom, marcado para o meio dia de qualquer dia. Acompanhado com mensagens de esperança e passagens bíblicas, suspense... e vozerio.

Uma onda de medo quebrou sobre o mundo, incerteza e desespero estampados nos rostos atônitos. O caos chegando mais cedo do que se pensava, do que previam os calvos cientistas.

Nós dois sentados na laje, aproveitando cada fio de calor que brotava do nosso abraço em um momento perfeito, um silêncio perfeito e mais um beijo...

O ar daquela manhã foi perceptivelmente diferente. Os pássaros perceberam o fim, cantavam mais alto, mais tristes também. Irrelevante, ninguém os ouvia. O vento zumbia forte e fazia dançar as folhas num ritmo diferente de alguns anos atrás em que eu e você nos conhecêramos.

  - Muito diferente, nem parecia a mesma praça, disse ela.

  - Sem falar na confusão de sentimentos: Uns choravam, outros riam, uns falavam, gritavam, se desesperavam enquanto outros nada diziam.

O dia, no mais, era quase normal, fazia frio, era verão mas já estávamos acostumados com essa bagunça climática, gases poluidores e até com o lixão na porta de casa. Os devotos rezavam, as crianças brincavam, os CDFs estavam lendo, os ladrões roubavam e os eróticos aproveitavam o tempo. Loucos sanavam enquanto psiquiatras enlouqueciam, os suicidas esperavam mais um pouco, só para ver onde tudo daria.

Onze horas apitava meu relógio de pulso, a angústia crescia, suas mãos gélidas tocavam as minhas, enquanto o seu Zé fechava a padaria. Uma gota solitária escorria do seu olho outrora castanho, agora azul da cor da lente de contato.Uma lágrima caía do céu outrora azul, agora cinza de pesadas nuvens. Os raios partiam o céu como rapadura, os humanos não agiam com candura e no pomar as frutas caíam de madura, pois não estragaram a vegetação da Terra, nem o verde nem as árvores.

Nada fazia sentido e chegava o fim da existência, o que viria depois era o que dava medo, receio e dor. Uma dor de aflição, que somada ao vazio no olhar do mundo, parecia cena de filme de terror em 3D e alta definição.

  - Nem sei como conseguiamos sorrir! - disse ela.
  - Mas mesmo assim corríamos e cantávamos " Segundo Sol", por entre as ruas, ao máximo volume. Seguidos pelas borboletas e vaga-lumes.
  - Como pode ser, se era dia?
  - Tanto faz, o Sol não brilhava mais. Se ausentou para não ver os rios, mares e montanhas a quem ele vislumbrou, por toda vida, se acabarem, se dissiparem pelo infinito universo. Nós dois sentados na laje, de novo, não importa mais nada, o medo se perdeu em mim, porque eu estava com você.

Música, beijo, lágrimas com risos e fim...



(Arte: Jean F Souza)
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